domingo, 15 de abril de 2007


Quando era pequena, eu queria ser como a Matilda quando crescesse. Sabem, do filme "Matilda". O que é algo bem engraçado, porque ela na verdade era uma criança na época.

Então vida longa aos acidentes do coração.
Chorando no divã até que os poetas retornem à vida.
Me conserte em 45 minutos.
Eu não tenho sorrido ou falando tanto quanto eu costumava.
Eu tenho me sentido feia por dentro e não importa o que qualquer pessoa diga ou faça isso é a única coisa nos meus ouvidos.
Exceto qual é a razão.
Qual é a razão de sobreviver sem nenhum dano?
A grande razão disso é catharsis.
O plano todo é pra melhorar.
Faça as contas.
Para resolver tudo isso.
Para ficar ok.
Para ficar ok em ficar ok.
Se você me pegar sorrindo um pouco mais é apenas algum guincho que me tirou da contra-mão e meus faróis estão apontando para a direção certa novamente.
Cada vez mais tenho vontade de voltar a ser a pessoa que eu costumava ser.
Se ao menos eu soubesse quem era essa pessoa.
Não consigo dizer meu caminho para fora da minha cabeça.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Depois de fazer o laço da forca e colocar uma cadeira embaixo, o escritor sentou-se atrás da sua mesa de trabalho, ligou o computador e digitou:
"No fundo, no fundo, os escritores passam o tempo todo redigindo a sua nota de suicida. Os que se suicidam mesmo são os que a terminam mais cedo."

Levantou-se, subiu na cadeira sob a forca e colocou a forca no pescoço. Depois retirou a forca do pescoço, desceu da cadeira, voltou ao computador e apagou o segundo "no fundo". Ficava mais enxuto. Mais categórico. Releu a nota e achou que estava curta. Pensou um pouco, depois acrescentou:
"Há os que se suicidam antes de escapar da terrível agonia de encontrar um final para a nota. O suicidio substitui o final. O suicídio é o final."

Levantou-se, subiu na cadeira, colocou a forca no pescoço e ficou pensando. Lembrou-se de uma frase de Borges. Encaixa, pensou, retirando a corda do pescoço, descendo da cadeira e voltando ao computador. Digitou:
"Borges disse que o escritor publica seus livros para livrar-se deles, senão passaria o resto da vida reescrevendo-os. O suicídio substitui a publicação. O suicídio é a publicação. No caso, o livro livra-se do escritor."

Levantou-se, subiu na cadeira, mas desceu da cadeira antes de colocar a forca no pescoço. Lembrara-se de outra coisa. Voltou ao computador e, entre o penúltimo e o último parágrafo, inseriu:
"Há escritores que escrevem um grande livro, ou uma grande nota de suicida, e depois nunca mais conseguem escrever outro. Atribuem a um bloqueio, ao medo do fracasso. Não é nada disso. É que escreveram a nota, mas esqueceram-se de se suicidar. Passam o resto da vida sabendo que faltou alguma coisa na sua obra e não sabendo o que é. Faltou o suicídio."

Levantou-se, ficou olhando a tela do computador, depois sentou-se de novo. Digitou:
"No fundo, no fundo, a agonia é saber quando se terminou. Há os que não sabem quando chegaram ao final da sua nota de suicida. Geralmente, são escritores de uma obra extensa. A crítica elogia sua prolixidade, a sua experimentação com formas diversas. Não sabe que ele não consegue é terminar a nota."

Desta vez não se levantou. Ficou olhando para a tela, pensando. Depois acrescentou:
"É claro que o computador agravou a agonia. Talvez uma nota de suicida definitiva só possa ser manuscrita ou datilografada à moda antiga, quando o medo de borrar o papel com correções e deixar uma impressão de desleixo para a posteridade leva o autor a ser preciso e sucinto. Tese: é impossível escrever uma nota de suicida num computador."

Era isso? Ele releu o que tinha escrito. Apagou o segundo "no fundo". Era isso. Por via das dúvidas, guardou o texto na memória do computador. No dia seguinte o revisaria.
E foi dormir.

O Suicida e O Computador - Luis Fernando Veríssimo